segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Arrebatamentos

A pequenez do pássaro
diante do mar

E nossa pequenez
diante dos pássaros

Tão grandes somos
em alturas e larguras

E quão incapazes
de voar

O pássaro entende
dos ventos que movem o mar

E nós
O que entendemos
Da liberdade dos pássaros?

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Despertencimento


Os cômodos tomados por ruídos da TV, interruptores sensíveis ao movimento, lâmpadas de LED e cafeteira expressa. Meu corpo parecia tão morto para uma casa tão viva. Ou era a própria quase-autonomia daquilo tudo que me matava? Ter o movimento do dedo indicador era o que bastava para ebulir as engrenagens daquele mundo. Na verdade, os dedos eram as próprias engrenagens.

O coração, já raquítico, embargava. A carcaça, contudo, permanecia firme e fixa ao chão, à exemplo dos manequins dos shoppings centers. Mas, dentro de mim, eu minguava. Moída como grão de café, dissipada por mim mesma feito fumaça do líquido quente e infectado de tecnologia.

Aos poucos, eu despertencia. A essência escorria por entranhas e mucosas e ali ficava, aos pés do manequim, suplicando para voltar a constituir-se corpo.

Ouvi batidas na porta. Permaneci imóvel. Entraram. Sabia que entrariam. Era de praxe o não interesse em buscar saber sobre as vontades de quem se encontra do outro lado do território. "Porta", para eles, significava apenas um pedaço morto de madeira. Uma intransigência no meio do caminho.

Tornava-se inútil dizer que por trás da porta, às vezes, está o doce caminho para a solidão. E que o barulho do silêncio é música para os que gostam de ficar do outro lado daquele pedaço de matéria insossa.
A carcaça foi cumprimentada. Os lábios esticados como que por um repuxo violento. Os dentes aparentes, mas amarelos. Através uma felicidade petrificada, eu até parecia sorrir.

Fui perguntada sobre os trabalhos, sobre os estudos, sobre dinheiro. Eles eram meus pais. Mamãe deu-me um beijo. Os lábios quentes não perceberam a frieza de minhas bochechas. O abraço de meu pai não foi capaz de notar o barulho oco vindo de dentro de mim. Às vezes desconfiava, mesmo, da capacidade dele de discernir entre uma veia que pulsa e um fio de cafeteira elétrica.

Eles deram-se as mãos e no primeiro passo adiante estatelaram-se no chão. A essência viscosa debaixo de seus sapatos denunciava o motivo do desequilíbrio. Parte minha, tão líquida e tão livre, agora banhava a sola de dois pares de calçados. Carregando o peso de um parelho de corpos nas costas, lutando para não fadigar. Tentando, a cada oportunidade, desgrudar-se das solas. Unir-se à essência-mãe, como pedaço remanescente, para desvelar-se corpo. Fora dali. Para, enfim, pertencer-me.