domingo, 4 de janeiro de 2015

CARTA ABERTA AO DEUS DOS HOMENS COMUNS

Deus,
Eu não acredito em você como os homens comuns. Sempre achei esse papo de maçã, Adão e Eva um pouco caído. Durante muitos anos tentei vestir a roupa ideal para entrar no teu paraíso, mas nada me serviu. Minha vontade era bater lá na porta e perguntar por que eu não podia entrar despida – de preceitos, pré-conceitos, dogmatismos. Apenas com um coração repleto de doces pulsações...
Enquanto todos vão à capela rezar para ti, eu fico. Prefiro venerar o perfume das flores, a grama molhada e o cheiro característico das estações. Não é possível que esse céu cheio de estrelas – retrato perfeito da Natureza intocada – não seja capaz de me abençoar. Custo a acreditar que uma cruz simulada com os dedos ao redor do rosto e do colo e um bando de palavras decoradas que, estranhamente, chamamos de oração, sejam mais capazes de nos elevar do que tirarmos as roupas e nos entregarmos a um banho de chuva, pegar a terra com as mãos, morder o fruto açucarado e suculento que é a própria vida.
E se não ajoelho para falar contigo é porque também custo a acreditar que esta seja a maneira ideal de me reportar a você. Creio que, acima de todas as coisas, eu deva estar de braços abertos para o amor e para a fé na humanidade. Pois acreditar nos sentimentos e nas pessoas é a melhor maneira de transcender.
E eu falo de sentimentos agudos e destemidos. Docemente violentos de tão intensos. Falo dos sentimentos que arrebatam, que são enérgicos e que só são capazes de se manifestar em quem está desnudo desta vida tão categórica que nos é imposta pela ordem atual na qual de baseia a maioria das relações humanas.
Deus, depois muitas guerras internas, dei espaço para a minha loucura. A loucura que é a própria salvação.
Ah, meu Deus, eu que não creio em ti creio piamente no mundo.